segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Postado por Unknown Ás 09:25

Neste livro o impagável Kanela joga com ginga e bom humor nos campos da política, religião, paixão, música. Transforma, com dribles filosóficos, as agruras da vida em deliciosas oportunidades de títulos.Futebol é coisa séria? Leia e descubra!
                                                                              9,90




NomeKanela na bola
ISBN9788562540806
Número de páginas64
AutorLeandro Del Tedesco
EditoraSinergia

domingo, 10 de março de 2013

Postado por Unknown Ás 16:31



Nunca tive sorte!
Nasci pobre,careca,gordo,banguela,baixinho e pra piorar,natural da Vila Ideal,um submundo desnaturado onde os filhos choram,as mães não escutam e os pais não ligam.
Lá de Cima me mandaram um agrado.
Fui contemplado com um par de ingressos para o jogo entre a seleção americana de futebol de botão versus a equipe angolana de hóquei no gelo.
Fiquei emocionado quando o brinde ofertado por uma empresa de seguros residenciais para andarilhos divulgou o resultado na TV.
-And the oscar goes to...Kanela !
Oba !!!
Nenhuma mina da Vila tinha tanta falta de juízo para me ombrear no "tour". A solução foi convocar a companhia do Bolacha,que predominaria ao meu lado no "airplane".
Iríamos finalmente conhecer a badalada capital europeia:
-Nova Iorque,aí vamos nós !
Na despedida os pais do Bolacha recomendaram insistentemente que não conversássemos com estranhos.
-Iés !-acatamos.
Minha "mother" trocou a fechadura de casa e sugeriu que eu não regressasse.
-Furévar !-insistiu,sonegando o sorriso.
Quando desembarcamos nos "states" ficamos surpresos com a cultura americana. Até os mendigos mais pobres falavam fluentemente o idioma inglês e nós,intelectuais nobres,mal balbuciávamos "róti dogue".
O guia turístico me sabatinou:
-Quais são os seus planos,rapaz?
-Planejo viver eternamente,até agora tá dando certo!
Quá quá quá
Aportamos em nossa "house" de onde avistamos uns pernetas depreciando o futebol verde e amarelo.
Profundos esculpidores do esporte fizemos questão de nos aproximar para zoar com os "brothers".Um esquisito que se parecia comigo implorou para que agregássemos na brincadeira.
-Óquei !
Ensinaríamos aos filhos do Tio Sam lances mágicos made in Brazil.
Os tolos jogavam como maricas,usavam capacetes e roupas acolchoadas.
Babacas !
O juíz,retardado,não assinalava falta quando seguravam a bola com as mãos.
Os gringos tentavam me agarrar,porém usava minha ardileza brasileña e me desvencilhava do corpo à corpo fétido.
Patético !
Tava tudo estranho.
-I dont know !-cochichei com o Bolacha num tom enigmático.
-Ô Kanela,se liga mano,esse aquí não é o nosso futebór...é futebór americano.
Oh my God !
Assustei quando o trêmulo guia me confabulou que estava em jogo dez mil dólares.
And no...and no...and no!
Rezei pra São Pelé nos salvar.
Percebí através dos diálogos legendados que os tímidos no trato com a bola tinham intimidade com a máfia.
Assim que os "bad boys" se distraíram com o corre-corre de um ataque terrorista,corremos pela "street" mais próxima.
Enxotaram a gente municiados com o vocabulário bélico.
O Bolacha,esfomeado,ao sentir o cheiro de gato morto instigou a bulímia e me arrastou para a lanchonete "Mc Nojos",onde devorou uma dezena de delícias diet.
Despistamos os "yankees",embolamos nossos embornais e voltamos para o Brasil com S.
Sentimos o quanto sofre um brasuca nos confins do mundo.
Muitos atletas tropicais se transferem para países frientos e cinzentos buscando bonança.
Trocam o paraíso pela miragem.
Erramos ao cultivar a adoração americanista e ao cultuar os enlatados U.S.A.
"Home sweet home".
O voo deixou sequelas.
O Bolacha sofre até hoje do estomâgo devido ao número exorbitante de quitutes que ingeriu na América e eu tô com um sério problema pulmonar por ter inalado o ar exalado pelo porcalhão.
Quando a mamãe me viu voltando foi diplomática:
-Fuqui iu !
-Fuqui iu tiu !-retribuí carinhosamente,abraçando-a.

                                   THE END

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Postado por Leandro Del Tedesco Ás 07:52



Minha tia Luzia sempre dizia,gaguejando,que "A nonossa memelhor escocola ééé a vida". Porém minha sina aniquilaria tal pregação.
Estreei aos cinco anos de idade no Colégio Municipal Professor "Tirde",seminário formador de intelectuais da Vila Ideal. Os ícones da cercania idealista foram diplomados pelo colegiado Tirde.
O grupo era uma oficina de gênios !
No auge da meninice eu cochichava à todos nos corredores do instituto que me tornaria um abastado futebolista e teimava,com um dom visionário,que o meu rosto estamparia as capas dos tabloides mais afamados da aldeia. Capitanearia os maiores times do mundo e rabiscaria,
com os pés,um futuro glorioso.
-Vocês vão ver !-vociferava.
Amparado nas previsões astrológicas tratei o quadro-negro com desprezo.
Os docentes,videntes,temiam que eu delinquisse e insistiam para que me esforçasse pois "o futuro,tal qual o casamento,é cheio de surpresas".
-Bobagem !-bufava.
A diretora do educandário,angustiada com o meu desinteresse,recomendou aos pedagogos anistia na correção da minha cartilha. Afinal,vivia tão ocupado com a ciência do futebol que não sobrava tempo nem pra respirar.
No decorrer das aulas o professorado me obrigava à ajoelhar no milho e me acariciava com a palmatória.
Os castigos surtiram efeito !
Comecei à me concentrar...na merenda.
Igualmente concentrado desvendei a geografia das vedetes do templo escolar. Até uma noviça de graça Xênia,modelo fotográfico da revista "Bisturi",tabelou comigo atrás do refeitório.
Na verbalização do amor eu parecia autodidata.
-Nota dez !-murmurou a menina.
Devido ao meu desapego com as apostilas reprovei três vezes na primeira série e acabei condecorado o primeiranista mais experiente do liceu.
A plebe aplaudiu.
Minha tia Luzia sempre dizia,soluçando,que"Quando escrevemos,hic,nosso futuro,hic,devemos fazê-lo à lápis".
Subitamente pintou um desânimo e sem nem ao menos ter completado o ensino fundamental me esquivei dos cadernos e cai no mundo dos analfabetizados.
A vida me deu um olé !
Os anos se somaram e,mesmo suplicando prostrado,a instituição não renovou a minha matrícula.
A Xênia idem !
Senti muita falta do coleguismo Tirde. Disfarçava minha frustração empinando capuchetas no entorno do convento,salivando com o apetitoso cheiro da sopinha amarela de caldo empelotado.
Certa vez,ao colar meu ouvido no alambrado do campus,ouvi meu antigo mestre gritar:
-Animal,Besta,Burro...
Era a hora da chamada.
Ao multiplicar as andanças percebi que os meus sonhos,assim como os meus dentes,escureceram.
Errei ao rascunhar o futuro baseado na ilusão de que o Criador soletraria o abecedário da vida.
"Só podemos prever o pretérito".
Minha tia Luzia sempre dizia,gargalhando,que"Deus não escolhe,kkk,os perfeitos,mas,kkk,aperfeiçoa os escolhidos".
Minha egolatria foi açoitada pela tirania do destino.
Foi azar misturado com falta de sorte ! Não deveria ter trocado o certificado de conclusão pela braçadeira de uma agremiação.
Semana passada vi a Xênia dando entrevista na emissora de TV da Vila. A musa da minha infância seguiu carreira policial e se tornou delegada.
Fiquei orgulhoso em ter beliscado,no passado,os culotes da faceira.
Se meu assédio fosse cometido atualmente certamente não triunfaria.
As estripulias que promoví com a Xênia fiz questão de grifar à caneta.
Outra lembrança que me contenta é a de ter cumprido à risca uma promessa do colégio. Possuo arquivada uma infinidade de jornais de circulação nacional em que meu rosto está estampado,conforme eu prometera aos amiguinhos da escola.
A matéria é assinada pela Xênia e acima da foto está escrito em letras garrafais:
                                 PROCURADO !!!
-Alguém tem um corretivo pra me emprestar???

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Postado por Leandro Del Tedesco Ás 09:06



Amar é nobre.
Cresci decorando tal definição,mas meu coração teimava vagar pelo sótão da solidão.
O cupido me cutucou num dia dourado,quando vi pela primeira vez o esboço de Sabrina,sensualizando sorrisos para a assanhada clientela no balcão do Bar Salutar.
Rezava a lenda idealista que a casta era de difícil diálogo,criteriosa e tremendamente exigente.
Hehe...nunca acreditei em lendas.
-Quer casar comigo?-indaguei,indiferente.
-Se me pagar um drink eu topo!-disse,despojada.
Parecíamos um par perfeito!
Promovíamos travessuras carnais e devaneios conjugais.
Tirei a  senhorita de beleza artesanal do acatingado cubículo em que residia e abriguei-a em meu curral.
A vida sofrida que Sabrina levava saturava seus contornos.
Mamãe adorou a decisão.
-Isso num vai prestá!-animou-nos.
Vivíamos enrabichados!
Um dia porém o Xassina,inimigo íntimo declarado,ousou xavecar minha imaculada dama e boliná-la:
-Delícia,delícia...assim você me mata!!!
Distribui bordoadas por toda a extensão facial do fanfarrão.A carcaça dele agonizou,ávida pra se despedir do mundo!
Fui algemado.
Ato abominável!
Crime inafiançável!!
Conduzido ao ócio da cela,me amontoaram entre uma milícia com vasta malícia criminal.Para não incomodá-los,segui à risca as regras de etiqueta carcerária.
Minha tia Luzia sempre dizia em suas fugas que "A liberdade é  autocensura para os covardes".
Só pensava em Sabrina!Tatuei-a no braço...e na mente.
Aos poucos assimilei o dialeto prisional,adquirindo as manhas da malandragem e a confiança dos parceiros.
A Dadá,carcereira de doçura diabética,bambaleava o acentuado relevo glúteo pro meu lado.Os detentos perceberam o intento da guardiã.
-Mano,a gente já notamos!-me confidenciou o Dimaior,capitão do time do Xiz FC,preso ao tentar impedir que a polícia o impedisse de roubar um banco.
-Tô fora Dimaior,meu amor tá me esperando no mundão!
O sujeito suspeito me convidou para enfileirar o ataque de matadores  do Xiz FC,finalista do Torneio Interno "Sô do Bem".
-Demorô!-concordei.
No domingo de visitas lacrimejei ao ver mamãe no pátio da prisão,com a cara carrancuda.
-Mamãe!!!
Ela descalçou os tamancos e me deu uma sova na frente dos "irmão".
-Cachorro,moleque!Eu num avisei?
A Dadá evitou a lesão dolosa.
-Calma sogra!-gritava,dadadando água com açúcar pra mami.
Acovardado,mantive velada a saudade de Sabrina.
Abusada,a Dadá intensificou o rico roteiro de assédios e entoou:
-Ai se eu te pego,ai se eu te pego...
Minha integridade sentimental permaneceu intacta.
Protocolei tratativas com o Criador em troca da presença de Sabrina em meu cativeiro.Postei centenas de cartas confiante na altivez do nosso nobre sentimento.
Nada da Sabrina dar as caras.
Sagrei-me campeão invicto defendendo o Xiz FC e tive o vulgo rubricado ao lado de grandes mitos da contravenção.
-É nóis!
O Dimaior,triste com meu tédio, insistiu em me animar:
-Convida a Dadá pra sair,"ladrão"...hahaha.
-Tá me tirando,se liga truta,na próxima visita minha mina aparece!
Não barganharia o mais arrebatador dos sentimentos por instantes incompletos de volúpia.
O Domingo chegou!!!
Levantei antes que o sol,dei uma lavadela no calabouço e aguardei ansioso a presença da minha amada.
Eis que a Dadá me trouxe a resposta num envelope semi aberto.
-Eu falei,ela não me esqueceu...eu sabia,eu sabia!!!-propalei eufórico.
Ao abrir a missiva de Sabrina,arregalei os olhos e...

                              Convite de Casamento
                                Sabrina  &  Xassina
                                     Não Perca!!!

Restou-me olhar para a compadecida Dadá e declamar:
-O jeito é...dá uma fugidinha com você...
          "O amor é um inocente...preso em flagrante".
Postado por Leandro Del Tedesco Ás 09:05



O azar é sombra da sorte!
Alguém afanara meu lugar na fila dos vencedores e me jogara no porão com os promissores perdedores.
Meu espírito estava em escombros.
Putz !!!
-Deus tá me tirando ! - blasfemava.
Busquei explicação fora da religião, troquei as orações pelos oráculos.
"Cigana Hardil-Tarô e búzios-GRÁTIS", dizia o cartaz capaz de sanar minhas mazelas.
A matreira, dona de uma dentição dourada, me puxou para a tenda.
Enquanto aguardava minha vez, fitei fotos fincadas nas paredes e vi que a vidente ganhara inúmeros prêmios pela proeza de suas previsões.
Uma de suas mais aclamadas adivinhações foi quando acertou, logo na terceira tentativa, qual seria o sexo da filha famosa da Gretchen.
Que dom !
-É sua vez otário, gritou o segurança da santa !
-Qual teu nome, menino?
-Ué,cê num é adivinha?
Hihihi.
Eu esperava que as vibrações cochichassem um vernáculo positivo.
-Estou numa fase fúnebre, com o ânimo anêmico, tudo tá dando errado. Quem é o disgramado que está me sabotando e armando estas arapucas?
O semblante cerrado de Hardil sintetizava a triste sina.
-Não vejo inimigos em suas cartas...tirando a gula, soberba, luxúria, avareza, ira, vaidade e preguiça você até que é gente boa.
-Por favor, quem é o arquiteto desta tristeza?
-Leio nas suas linhas que ainda hoje saberá quem transforma suas asas em raízes. As runas mostram que conhece-o faz tempo. À noite,quando ouvir o primeiro trovão, você estará na frente do patife.
-Acabou a consulta, idiota!-bradou o brutamontes, enquanto me puxava gentilmente pelo bracinho e garimpava uma garoupa do meu bolso.
Analisando a alcateia da Vila vários vulgos surgiram no meu GPS mental.
O Bolacha tinha inveja dos meus predicados, depois que bolinei o belo buço da mãe dele, várias foram nossas rinhas.
Ah...o Xupeta, considerado meu melhor inimigo, gostava de me lançar critiquices quando papeava pelas vísceras da Vila.
Outros tantos e muitos tontos perfilavam minha longa lista de suspeitos.
-A curpa é da Rita! - assegurou o Bebin, bêbado.
Minha tia Luzia sempre dizia que "Quem não tem inimigos, não tem personalidade", e que minha coleção de desafetos era fruto da minha ideologia idiota.
Até meu cãozinho Priguissa, sempre fiel escudeiro, foi surpreendido latindo calúnias acerca do meu eu.
Que lástima !
Chegando em casa, confessei pra mamãe sobre minha consulta astral.
-Se queria ler cartas por que num foi nos Correios?- disse, descrente.
Estava ansioso ! Queria ver a cara do crápula!!!
E foi enquanto eu escovava os dois dentes, na companhia do meu cão Priguissa e da cachorra da minha mãe que um trovão me assustou e revelou meu reflexo no espelho do banheiro.
-Caramba, não é que o sacana se parece comigo !- gritei, chocado.
-Filho,o cachorro cê já tem...só farta a bengala e os óculos escuros !
             "Ser cego é muito pior do que ser deficiente visual".
Postado por Leandro Del Tedesco Ás 09:04



Aproveitei que meu Ibope atingiu vinte pontos de audiência e aliciei a Cândida pra formar par comigo no Carnaval da Vila Ideal.
Cândida era uma dama divinizada!
Dona de curvas cativantes, foi a pioneira na banalização do amor e precursora do leilão virginal. Gostava de esbarrar o gelatinoso glúteo pelas alas da área.
A musa era tão respeitada em nosso condado que na véspera da folia teve o corpo declarado de utilidade pública pelo Legislativo local.
Que mulher!!!
Antes do encontro tirei o gorro,tapei a tatuagem e disfarcei o arame galvanizado, que mantinha vivo o velho chinelo arrebentado.
Cândida apareceu escoltada por fornicadores e fartando-se com o banquete de elogios servido pela bancada de onanistas.
A ciumeira começou!
-Xispem daqui, Arlequins!-rosnei raivoso.
-Calma, neste Carnaval eu sou sua!-prometeu.
Seriam necessárias poucas palavras para caírem muitos dentes.
A rainha era a atração principal do bailão, fantasiada de Eva, arrancava a atenção dos flashes ao erotizar o enredo.
Inseguro, monitorei todo o sambar sensual da gata e exigi fidelidade.
-Confia em mim, sempre cumpro minha palavra! Se eu te trair, quero que você morra soluçando!!!-segredou sorrindo.
Ufa!
Minha tia Luzia, organizadora da orgia, sempre dizia que " O Carnaval é a guilhotina do Diabo".
Eis que n'um piscar de olhos a Cândida desapareceu, perdeu-se na multidão de castos e acelerou a percussão do meu coração.
Mamãe, que acabara de desfilar no "Bloco das Bruacas", me puxou pelo abadá e alarmou:
-Sua Colombina tá atrás do trio elétrico coroando o rei momo!
Era a hora de desmascarar a passista e acabar com a regência de transgressões. Eu seria o único, dentre os mil palhaços no salão, a comprovar publicamente a traição da tirana.
Achei a ingrata despindo as alegorias do Bolacha e tagarelei:
-Cândida...taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim...
A sacana embrulhou o sorriso e justificou:
-Eu te jurei que, neste Carnaval, eu seria sua e...
Neste instante o Bolacha,constrangido, começou a colocar os adereços, tentando atenuar o tropeço.
A música calou!
Outros tantos, outrora traídos, vingariam-se ao vê-la humilhada.
Ensandecido, peitei o par e cobrei respostas.
Cândida,acuada com o delito,olhou para o relógio e...
-Tá vendo, são 00:01 hs, já é quarta feira de cinzas, bobinho!
A farrista tinha razão.
Me desculpei, abaixei a cabeça e sai, envergonhado com a injustiça que acabara de cometer. A foliã cumprira o prometido.
Raciocinei por horas até encontrar o causador de tamanha trairagem, eleito o responsável pelo descompasso do samba...
-Maldito horário de verão....hic...hic !

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Postado por Leandro Del Tedesco Ás 22:50



Era natal...
Não sei exatamente o motivo,mas tenho certeza que o natal só me traz tristeza.
A época da reunião familiar,do amor ao próximo e da troca de embrulhos nunca contagiou meu coração.
O natal é gol contra !
Não ter papai me ladeando e nem financiando os impulsos varejistas da mamãe agravam minha ojeriza ao jingle bell.
O pessoal da Vila Ideal se contorce para entrar no clima.Acredita que tem descarado que esquece até de honrar as dívidas quando ouve os passos do trenó ?
Juro !
É só vadiar pelas vielas para se maravilhar com os casebres enfeitados,as luzes piscando exaltadas e as miudezas agarradas nos pinheiros secos.
Minha angústia é indisfarçável.
Tenho o dote de clicar a data sempre em seu pior ângulo.
No último níver de Cristo recebi uma proposta empregatícia do shopping Karçakurta que me forçou à encarar a folia e imitar Santa Claus.
O nobre ofício consistia em abrilhantar os olhinhos ingênuos,dar-lhes esperança e colaborar para a felicidade geral...do patrão.
Os sonhos eram semelhantes.Meninos pediram playstation e as meninas queriam ser modelo.Vez em quando uma criança me surpreendia puxando minha barba ou colando meleca no meu manto.
Era uma fábula !
Na véspera da festa,estupidamente estressado,avesso aos sinos e sacolas,submisso à ostentação,avistei um menino magrelo e mal trajado padecendo em uma cadeira de rodas.
Esmolava moedas.
Fitei-o por um longo tempo.Percebi que os transeuntes desprezavam a frágil figura.
Ele era invisível.
Aqueles que lhe lançavam migalhas não agiam com benevolência,mas unicamente para desfrutar da sensação delirante de superioridade ante o flagelo alheio.
Cadê Jesus ?
-Qual é o seu nome filho ?
-Me chamo...Leon.
O coitado estava afogado em complexos.
O traje típico me ajudou a cativar o garoto.Leon me revelou que tinha sete anos,desconhecia o pai e que a mãe trabalhava de faxineira defronte ao shopping.
Déjà vu !
Papeamos longamente até o gerente do estabelecimento intervir e ordenar aos seguranças a deportação do guri.
-Ô pivete,se manda !
-Peraí !-comprei a briga...fiado.
Armei um barraco no hall do castelo,motivando meu chefe a me maltratar.
-Fora daqui os dois !-sugeriu meigamente.
Enquanto saíamos,por livre e espontânea pressão,observamos a pose das madames,ornamentadas com joias folheadas.Atentamos também para os engravatados emitindo pré-datados para mimar a prole.
Minha tia Luzia sempre dizia que "Em algum momento da vida os tolos e todo o seu dinheiro terão que se despedir um do outro".
É vero !
O Leon garimpou uns trocados que havia esmolado e comprou um panetone no Bar Salutar.Levei-o até a praça onde pequenos e pequenas purificavam as almas banhando-se no chafariz.
Eles cearam conosco.
Todos,tal qual o Leon,desfilavam figurinos desprezíveis que contrastavam com a pompa do período e harmonizavam com o pesar de seus semblantes.
O tesouro deles ficava por dentro.
"O dinheiro tem o dom de apartar a realeza do bagaço social".
À noite as crianças improvisaram uma bola e brincaram de futebol no canteiro da praça.
Jogavam para fintar a fome !
Eu,ainda vestido de Noel e o Leon despido do sentimento de inferioridade que por tanto tempo trajara.
Os peraltas corriam descalços numa sinfonia de sorrisos idealizada por qualquer maestro.Fizeram uma ciranda ao redor do Leon roubando-lhe um riso raro.
Ele não podia chutar,mas agarrava a bola entusiasmado,encantando a todos.
"Heróis existem".
Antes de ir para casa meu novo amigo fez questão de me abraçar:
-Feliz Natal...Papai Noel.
Chorei.
Um ano depois...Leon morreu vítima de uma doença incurável.
"Deus tava precisando de um goleiro no time do Céu".