quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Postado por Leandro Del Tedesco Ás 22:30


Ao folhear o álbum um retrato em especial palpitou o meu peito.
A foto de Dona Zika!
Por onde andaria minha madrinha?
Ouvi dizer que a velha adoecera,empalidecida com o sumiço da filha e corroída pela petulância de um câncer.
Era autora de uma biografia ímpar!
A bendita foi a fundadora do nosso time e idealizadora da Vila Ideal. Responsável pelos partos das pestes do bairro,Dona Zika abrigava-nos sob suas asas e vigiava o ninho.
A Vila Ideal era o seu quintal!
Minha tia Luzia sempre dizia que "É só pedir pra Deus no céu que a Zika resorve na Terra".
Reuni meus pares do Ruindver FC e planejamos retribuir,com uma balada surpresa,toda a presteza da nossa parteira.
Os fatos,em forma de boatos,atestavam que ela se exilara e tinha a cegueira como fiel companheira.
Decidimos agradá-la com o regresso da filha,porém não obtivemos êxito no garimpo...
A solução seria contratar uma piriguete para encenar o papel.
-Eu cobro por hora!-ressaltou a Virginhia.
-Só temos grana pra dois minutos!!-propus.
A donzela desistiu.
E aí???
-Vai você Bolacha...ou não vai provar o bolo!!!-intimamos.
-Tão malucos? Tô fora!!!
Após muita pressão o barrigudo pegou os apetrechos da irmã e se ornamentou.Afinal o sacrifício era por uma boa causa...com cobertura de chocolate!
Ao chegar no casebre,repleto de cicatrizes nas paredes,ratos e baratas se acotovelavam sobre a louça malcheirosa.
Espiamos pela janela.
Dona Zika estava estirada,os olhos inválidos fechados,o corpo murcho,o rosto talhado,a cabeça raspada...
A mulher combativa,que regara com suor cada canto da Vila,agora perecia nocauteada.
-Dona Zika!-gritei.
O rádio rouco abafou minha voz,um bico de luz iluminava a protagonista  da nossa infância.
-Sua filha está aqui!!!
Levantou-se com lerdeza,tateou os móveis imóveis e abriu a porta.
-Quem é!!!
-É a turma do Ruindver FC,viemos trazer sua filha!!!
O Bolacha,que até então era só risos,sensibilizou-se com a cena e,travestido,bambaleou o corpo paramentado na direção da mártir.
-Tô aqui mãe!!!-teatralizou,emocionado.
-Que saudade filha...por que me abandonou?
Nossos corações choraram!
Dona Zika,trêmula,lavou a alma.
O tempo,carrasco do seu corpo,violentou o vigor da eterna guerreira que, mesmo caída,não se dava por vencida.
-Filha,cê tá grávida?-arguiu,apalpando as banhas do bonachão.
-Eu...tô...de quadrigêmeos.-balbuciou o balofo...constrangido.
Que dó,que dó,que dó!!!
Permanecemos o resto da tarde relembrando os áureos tempos e as saudosas travessuras.
Saindo dali,emocionados com o lecionado da nossa líder,encontramos o Xaveco que,piscando para o Bolacha, me indagou:
-Cara,quem é essa mina...sou tarado por uma gordinha!!!
Fiu...Fiu!!!
O gorducho soltou adjetivos indesejáveis à qualquer animal racional.
Me senti leve,regenerado com o aprendizado.
Sempre passo defronte ao cômodo da Dona Zika para me assegurar que ela ainda insiste em trocar socos com a morte,lutando pela vida.
Enquanto aquela lâmpada estiver acesa...meu memorial estará seguro.
Ela arribou.
Na última vez que falou comigo foi categórica:
-Deus só vai me levar depois que eu fizer o parto dos meus netinhos!!!
Xiiii.... Bolacha !!!

Um comentário:

  1. UAU!!!!sensibilidade adoro isso....LINDOOOOOO!!!!!!!!!!!!!! .AMEI.
    Carinhosamente Beijos Mil- Ly


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